D’us? Que D’us?

No último artigo, fizemos uma simulação dos passos necessários não apenas para criar um sabre de luz, mas para completar o treinamento de um fictício cavaleiro Jedi ou Sith. Foram onze etapas – sendo que uma era uma decisão – partindo da inspiração e chegando a realização. Neste artigo, iremos analisar aqueles mesmos onze passos, mas desta vez, expandindo um pouco mais os conceitos, ao mesmo tempo em que focamos em sua aplicação sob o ponto de vista da Cabalah.

A Cabalah define – mesmo sabendo que não é possível definir – D’us de várias formas. Existe o D’us justo, o D’us misericordioso, o D’us vingativo, o D’us racional, enfim, várias facetas do mesmo D’us. Porém, há duas facetas de D’us que, de forma bastante ampla, abraçam carinhosamente toda a amplitude que é D’us. Tragicamente, é impossível entender estas duas facetas. Todas as palavras do Universo não seriam o suficiente para arranhar a superfície do que é, foi, será, D’us. Como escreveu Z’ev ben Shimon Halevi:

D’us é D’us. Nada pode ser comparado a D’us. D’us é D’us.

Mas vamos tentar… Apesar de saber que não há maneira de ser bem sucedido nesta empreitada, é algo que não há como escapar!

Há, em primeiro lugar, o D’us transcendente, aquele que não temos como alcançar. Este D’us, Criador de tudo, é separado de nós através de três véus, inacessíveis a todos nós.

O primeiro véu é chamado – não no sentido de nomear algo, mas simplesmente como uma forma de definir – Ayin (אין), que significa Coisa Alguma, ou Nada. D’us não está embaixo, nem em cima; não se move, nem está parado; D’us não existe, pois está além da Existência. E, por estar além da própria Existência, apesar de ter criado toda a Criação, D’us está além do Nada. O Universo todo não é mais do que um microscópico grão de areia perante a grandiosidade do Criador, e o Nada é o primeiro véu que separa o Criador da Criação. Não se deve dizer “não há nada entre D’us e a Criação”; deve-se dizer “o nada separa D’us da Criação”.

O Nada é a camada mais próxima de D’us. Só o fato de tentar conceituar o Nada é suficiente para que deixe de ser nada. O Nada é o Nada, e D’us está além do Nada.

Mais próximo de nós do que o Nada, porém ainda completamente distante para o nosso entendimento, está o segundo véu: Ayin Sof (אין סוף), que pode ser traduzido como sem fim. Outra interpretação para Ayin Sof pode ser Infinito, o que implica que, além de estarmos separados de D’us por Nada, também estamos separados de D’us por tudo. Como se isso não bastasse, o Nada e o Infinito não dizem respeito apenas à noção espacial; também indicam uma noção temporal, de onde pode-se entender que estamos separados de D’us não apenas pela Eternidade, mas também por tempo algum. D’us não pode ser alcançado em lugar algum, em tempo algum.

Como se não bastasse haver o Nada e o Infinito entre D’us e nós, sua criação, há ainda um terceiro véu, chamado Ayin Sof Or (אין סוף אור), que pode ser traduzido como Luz Infinita. Normalmente, nas visões citadas na Torah ou nos livros dos Profetas ou Salmos, é notável que sempre há uma luz completamente assombrosa. Assim, em Ezequiel, 1:4:

Olhei e vi uma tempestade que vinha do norte: uma nuvem imensa, com relâmpagos e faíscas, cercada por uma luz brilhante. O centro do fogo parecia metal reluzente…

Ou uma passagem do Zohar:

Quando Rabi Hyia entrou (na escola celeste), perturbou-se ao ver que Eleazar e o resto dos justos permaneciam de pé em sua honra. Inclinou para baixo sua cabeça, saudando-os, e se colocou aos pés do mestre. Então ele ouviu uma Voz que dizia: “Baixa teus olhos! Não levantes tua cabeça!” Ele obedeceu e se sentiu penetrado por uma vasta luz que parecia vir de muito longe.

Esta luz não é nada mais do que um singelo, simples e único, raio de luz proveniente da Luz Infinita. Segundo os cabalistas, para que D’us fizesse toda a sua Criação, D’uz “abriu” um espaço em si mesmo, e deixou que um raio de sua Vontade Divina, desta Luz Infinita, penetrasse esse vazio, dando origem à toda a Criação, através das dez etapas descritas no artigo anterior. No momento em que o raio da Vontade Divina – Vontade esta que emanou de D’us, atravessou o Nada, o Infinito e a Luz Inifinta atingiu a décima etapa, se materializou no que os cientistas hoje estudam como sendo o Big Bang.

Um único raio da Vontade Divina criou TODO o Universo. Pense nisto por um momento.

Podemos continuar? Vamos lá!

Se D’us está “separado” de nós pelo Nada, pelo Infinito e pela Luz Infinita, qual o motivo de tentar, de alguma forma, buscar D’us em nossa vida? Aliás, se tudo isto nos separa de D’us, podemos assumir que D’us, em toda a sua grandiosidade, provavelmente não “sabe” de nossa existência! Afinal, nós somos uns míseros seres, em um planeta pequeno, num sistema solar que fica na borda de uma das bilhões de galáxias do Universo, e o Universo inteiro foi formado por um – isso mesmo, um – raio da Vontade Divina, que teve que atravessar o Nada, o Infinito e a Luz Infinita até se materializar no Universo. É o mesmo que dizer que cada um de nós tem total consciência de cada quark – até o momento, o que se acredita ser a partícula básica de toda a matéria, que formam os elétrons, nêutrons e prótons – que compõe o nosso corpo.

Este D’us é o D’us transcendente, que transcende toda a nossa capacidade de entendimento. É inalcançável! Não há como definir D’us.

Quando questionado por Moisés (Shemot, 3:14) sobre quem Ele é, D’us responde:

Eu Sou O Que Sou. (Ehyeh asher Ehyeh – אהיה אשר אהיה)

Vou citar, mais uma vez, a passagem de Z’ev ben Shimon Halevi:

D’us é D’us. Nada pode ser comparado a D’us. D’us é D’us.

Tentar entender D’us neste nível é algo que nenhuma mente, por mais brilhante que seja, consegue, pois tudo o que uma mente pode racionalizar é tudo o que é palpável, ou seja, qualquer coisa que ocorra dentro do nosso Universo. Só que D’us criou esta Universo. D’us não faz parte deste Universo – Ele está fora do Universo. Mas, mesmo assim, a sua essência se espalhou através de toda a sua Criação.

É aqui que encontramos a segunda faceta de D’us: o D’us imanente, o D’us que permeia todas as coisas. Afinal, foi através da Vontade Divina que tudo o que existe é, e esta Vontade Divina está presente, de forma ativa e passiva, em cada componente, visível ou invisível, de todo o Universo. D’us é o Nada, o Infinito e a Luz Infinita! Nós “pertencemos” em D’us assim como cada partícula e onda que está ou atravessa seu corpo neste momento pertence emvocê.

Buscar esta essência divina, a imanência do Criador em tudo o que existe, este é o verdadeiro trabalho diário, aliás, secundário – não no sentido de ser o segundo trabalho, mas o trabalho de cada segundo – de um cabalista. Perceber que a Vontade Divina atravessou o Nada, o Infinito, a Luz Infinita, e um raio da Vontade Divina se concentrou, passando as dez etapas da Criação, para então formar todo o Universo! Isto permitiu que você estivesse aqui, agora, nesse exato instante, lendo este texto e pensando o que quer que você esteja pensando, mas com a consciência de que você está vivo! E que, apesar de toda a distância que o separa do Criador, D’us está mais próximo do que você imagina… então, somente então, você perceberá que, sim, vale muito a pena se dedicar a encontrar D’us.

Confuso? Se você entendeu tudo e não tem dúvidas, por favor, leia de novo! Agora, se você tem dúvidas, mas sentiu algo diferente, parabéns! Está no caminho certo!

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