A Árvore da Vida

Caminhamos bastante até aqui, esmiuçando superficialmente diversos conceitos da Cabalah. Apesar de não haver nenhum tópico que seja mais importante ou menos importante que outro, um tópico em específico deve ser estudado de forma bastante aprofundada por todo cabalista, um tópico que já foi citado algumas vezes aqui, mas que hoje iremos efetivamente dar um nome específico: a Árvore da Vida.

Vimos, no artigo anterior, que há uma distância, temporal e espacial, incomensurável entre D’us e sua Criação. Porém, D’us está intimamente ligado à toda a Criação, pois foi através da Sua vontade que tudo passou a existir. Ou seja: de alguma forma, a vontade divina cruzou o espaço e tempo infinitos, e se materializou, ou melhor, se realizou, criando todo o Universo. Como sabemos ou acreditamos que não é possível atravessar os três véus (Ayin, Ayin Sof e Ayin Sof Or), o que podemos tentar compreender é o caminho que a vontade divina percorreu dentro do espaço/tempo que nos é palpável, até se materializar no que vemos, ouvimos e sentimos à nossa volta.

Mais do que simplesmente ser o caminho cruzado pela Vontade Divina apenas durante a Criação, este caminho, gerado pela Força, Beleza e Sabedoria Divina, acabou por tornar-se a lei, a regra através do qual tudo pode ser emanado, criado, formado ou feito.

Em Bereshit, 2:9:

… e no meio do jardim (do Éden) a Árvore da Vida, e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.

Abrindo um parênteses, é interessante notar que D’us criou tanto o Bem quanto o Mal. Ao contrário do que grande parte das religiões propaga, se D’us é o Criador de tudo, é lógico supor que o Mal também faz parte da Criação. Antes de fechar o parênteses, vou deixar um ponto para você pensar: D’us criou, sim, o Mal; porém, D’us não deu forma ao Mal.

Voltemos à Árvore da Vida, porém, sem ainda nos aprofundarmos em todo o conceito que pode ser explorado pela passagem de Bereshit. A Árvore da Vida normalmente é representada como o diagrama abaixo:

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Não se preocupe (ainda) com as palavras e letras hebraicas… Iremos analisar cada vez mais profundamente estes aspectos da Árvore da Vida nos próximos artigos… aliás, em todos os demais artigos.

Hoje iremos focar na estrutura da Árvore da Vida (em hebraico, Etz Chayym – עץ חיים).

A imagem acima da Árvore da Vida é uma representação gráfica, resultado dos estudos de diversos rabinos e cabalistas ao longo dos séculos, baseada principalmente no Sefer Yetzirah. É possível que você, leitor, encontre imagens um pouco diferentes, ou bastante diferentes. O importante é o conceito, universal, de como a Árvore da Vida “funciona”.

A Árvore da Vida possui três colunas, e sete níveis. A coluna da esquerda é a coluna do Julgamento (ou Justiça, ou Rigor), a coluna da direita é a coluna da Misericórdia, e a coluna central é a coluna do Equilíbrio (ou da Vontade). Já os sete níveis não possuem nomes específicos, e são representados pelas linhas horizontais que cruzam os centros das esferas no diagrama. Se você se lembra, no artigo sobre o Poder da Palavra e no artigo sobre o Alef-Bet, foi citado que, no alfabeto hebraico – uma das ferramentas para a Criação – há 3 letras-mãe e 7 letras duplas. Interessante, não?

Ao longo das três colunas e dos sete níveis há 10 esferas, sendo três em cada coluna externa, e 4 na coluna central. Cada esfera na Árvore da Vida possui um nome específico, que veremos depois, e um nome genérico: sefirah (ספירה), sendo o plural sefirot (ספירות). A palavra sefirah não possui uma tradução específica (apesar disto, costuma ser traduzida como safira ou contagem). Os nomes das dez esferas são:

  • Keter (כתר) – Coroa
  • Chokmah (חכמה) – Sabedoria
  • Binah (בנה) – Entendimento
  • Chesed (חסד) – Misericórdia
  • Gevurah (גבורה) – Julgamento
  • Tiferet (תפארת) – Beleza
  • Netzah (נצח) – Eternidade
  • Hod (הוד) – Reverberação
  • Yesod (יסוד) – Fundação
  • Malkut (מלכות) – Reino

Acha que já viu essas palavras antes? Que tal passar os olhos no artigo Pronto Para Criar?

Entre cada sefirah, há um caminho. Contando-se os caminhos entre todas as sefirot conforme o diagrama acima, pode-se notar que são exatamente 22 caminhos: o número de letras no alfabeto hebraico.

Vamos agora relembrar o que vimos no artigo O Poder da Palavra, mais especificamente a primeira passagem do Sefer Yetzirah:

Com 32 caminhos místicos de Sabedoria
gravou Yah
o Senhor das Hostes
o Deus de Israel
o Deus vivo
Rei do universo
El Shaddai
Misericordioso e Gracioso
Soberano e Exaltado
Habitando na eternidade
Cujo nome é Sagrado –
Ele está no alto e é sagrado –
E Ele criou Seu universo –
com três livros (Sefarim):
com texto (Sefer),
com número (Sefar)
e com a comunicação (Sippur).

Aqui, vimos que há 32 caminhos místicos de Sabedoria. Estes 32 caminhos são representados pelas 10 sefirot e pelas 22 ligações entre elas. Ou seja, o caminho místico de Sabedoria é a própria Árvore da Vida, que tem de ser entendido, compreendido e vivido para se atingir a ligação com o Criador, ligação esta que passa, obrigatoriamente, pelo coração. Por “coincidência”, o número 32 pode ser representado – conforme vimos no artigo sobre o Alef-Bet – como לב, que forma a palavra leb. E o que significa a palavra leb em hebraico? Coração!

Ainda no trecho do Sefer Yetzirah, a parte final do versículo diz que a Criação ocorreu “com três livros: com texto, com número e com a comunicação”. Naquele artigo sobre o Poder da Palavra, vimos que o texto é a característica de qualidade da Criação, e é representado pelas letras do alfabeto hebraico (as ligações entre as sefirot); e que o número é a característica quantitativa da Criação, e é representado pelas sefirot em si. Ou seja: os dois primeiros livros da Criação são representados pela própria Árvore da Vida! Mas apenas o texto e o número não formam a Criação! É preciso que haja a comunicação, a ação da Vontade Divina sobre a Árvore da Vida, para que seja insuflado o alento que permite que tudo o que vemos e não vemos exista.

Assim, entender a Árvore da Vida é ter o Conhecimento, o Entendimento e a Sabedoria sobre os 32 caminhos místicos, para que possamos atuar, através da nossa vontade, sobre a Árvore da Vida. Neste momento, a mágica acontece, e teremos, aberto à nossa frente, o mapa de retorno ao Jardim do Éden. Esta é a essência de Ma’aseh Merkavah. Essa é a essência da Cabalah!