De Volta Ao Futuro

De certa forma, no artigo anterior, tudo estava indo bem, calmamente, até o último parágrafo. Então, de repente, uma enxurrada de palavras novas: Cabalah, Árvore da Vida, “esfera”, a palavra hebraica Yesod (daí vem o nome deste blog). Ufa, muita coisa de uma só vez. Apesar desta avalanche de novos conceitos, o que realmente interessa (e vai interessar em todos os artigos deste blog) não é a conclusão, o último parágrafo, mas sim o que vem antes. É como a construção de uma casa: apesar de fazer o alicerce à base de ferro, concreto, terra, areia, pedra, uma olhada no que está por vir é imprescindível para que a construção seja erguida de forma justa e perfeita. Com este ponto esclarecido, vamos começar a falar sobre o principal tema deste blog: a Cabalah.

A Cabalah (ou Cabala, Cabalá, Kaballah, Kaballa, ou qualquer outra forma que se queira escrever), é uma tradição – ou doutrina – preservada no meio judaico há milhares de anos. A palavra Cabalah provém da raiz hebraica que significa receber, mas às vezes é traduzida também como tradição.

Sua origem é desconhecida, e provavelmente não mais poderá ser determinada. Isto se deve ao fato de, no princípio, ter sido passada de geração para geração como uma tradição oral. Este fato dá abertura para que diversas histórias sejam criadas, lembradas, inventadas ou transmitidas de pessoa para pessoa. Uma destas histórias, transmitidas a mim pelo meu grande amigo, Irmão e Mestre José Arnaldo de Castro (autor do livro Jornada Cabalista – Cabalá Passo a Passo), é a seguinte:

Uma das tradições diz que, ao expulsar Adão e Eva do Jardim do Éden, D’us colocou querubins para vigiar a entrada do Jardim, empunhando espadas flamejantes. Um dos querubins, Raziel, vendo Adão e Eva se afastando, escorraçados, do Paraíso, apiedou-se. Foi atrás de Adão e Eva, e deu de presente a Adão um pergaminho. Ao ver o pergaminho em suas mãos, Adão perguntou:

“O que é isto?”

Ao que Raziel respondeu:

“Vocês foram expulsos do Paraíso. Vocês vagarão pela Terra, perdidos, mas jamais perderão o impulso de retornar ao Éden. Para isto, estou lhe dando, Adão, o mapa para que possam retornar, sãos e salvos, ao Paraíso.”

Aquele pergaminho, recebido por Adão, é a Cabalah. Há muito perdido, foi passado oralmente de pai para filho, de mestre para discípulo, às vezes de forma secreta, às vezes de forma tão pública que, mesmo se passando milênios, ainda se fala até hoje sobre estes ensinamentos (caso não tenha ficado claro sobre quem estou falando, aqui vão algumas pistas: seu nome era Yehoshua, nasceu em Bethlehem, e foi crucificado em uma sexta-feira, no feriado de Pessach). O que resta, hoje, são lembranças recortadas deste pergaminho, com vários trechos faltando ou completamente apagados. Mas, nem por isto, o “impulso de retornar ao Éden” some dentro de cada um de nós; pelo contrário, apenas quando este impulso é sincero e humilde é que se pode perceber os riscos mais sutis no pergaminho, como se quisessem aparecer magicamente para nós, para permitir o retorno ao Paraíso.

Voltando ao passado da Cabalah, como já foi citado, a mesma era transmitida oralmente de mestre para discípulos, principalmente nas escolas rabínicas. A Cabalah sobreviveu, de forma oral, ao Dilúvio, à escravidão no Egito, ao erguimento e queda do Primeiro Templo (erguido por Salomão), ao exílio na Babilônia, ao ressurgimento do hebraico como idioma dos judeus, à construção e destruição do Segundo Templo, à invasão romana, entre outros acontecimentos.

Com a dispersão do povo judeu para todos os cantos do mundo, alguns rabinos, temendo que o conhecimento se perdesse, começaram a escrever, de forma cifrada (ou criptografada) a essência da Cabalah. Daí surgiram, entre outros, os três principais livros da essência cabalista:

  • O Sefer Yetzirah (Livro da Formação), que acredita-se que tenha sido escrito por volta do século II dC
  • O Bahir (Iluminação), que acredita-se que tenha sido escrito no século I dC, porém, publicado pela primeira vez em 1176, em Provença, França
  • O Zohar (Esplendor), cuja data da provável escrita até hoje é discutida entre os estudiosos, variando entre o século II dC até o século XIII dC

Diversos autores também se destacam no meio da história da Cabalah: Moses de Leon (a quem alguns atribuem a escrita do Zohar), Isaac Luria, Bachia ibn Paquda, Abraham Abulafia, Moshe Cordovero, alguns destes agentes ativos no renascimento da escola de conhecimento na região de Safed. E, assim, uma boa parte do conhecimento foi preservado, ainda em meios fechados, mas que chegam até nossas mãos hoje de forma praticamente intacta.

Com o passar de mais alguns séculos, este conhecimento se tornou mais acessível, ao ponto em que o conhecimento profundo do idioma hebraico já não é mais imprescindível (recomendável, mas não obrigatório). Autores como Aryeh Kaplan, Z’ev ben Shimon Halevi, entre outros, tornaram o acesso à Cabalah algo muito mais simples e mais claro.

Mas não menos trabalhoso!

Afinal, se hoje em dia o mapa está mais claro, mais visível e mais acessível, isto de forma alguma significa que a jornada já começou. É preciso entender o trabalho que foi realizado para que hoje estivéssemos aqui (o chamado Ma’aseh Bereshit – Trabalho da Criação), para então entendermos o trabalho que é esperado de nós (Ma’aseh Merkavah – O Trabalho da Carruagem) para trilharmos os caminhos do mapa chamado Cabalah.

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