O Poder da Palavra

Antes de adentrarmos nos mistérios fascinantes de Ma’aseh Merkavah, é preciso ainda esmiuçar mais alguns conceitos fabulosos de Ma’aseh Bereshit, que fornecerão ferramentas extremamente úteis para esta jornada, quando usadas corretamente com a correta dose de percepção. Para exemplificar a importância da percepção para uma melhor compreensão de todos estes conceitos, permitam-me contar uma história:

Uma dona-de-casa precisava fazer compras. Porém, devido às atividades que ela precisava desempenhar em casa, ela pediu ao seu marido, um analista de sistema, que ele fizesse o favor de ir ao mercado:

“Querido, preciso que você compre um litro de leite para mim. E, se tiver ovos, traga seis.”

Qual não foi a surpresa dela quando, ao retornar do mercado, ele lhe entregou SEIS litros de leite!

“O quê é isso?!? SEIS litros de leite?!? Onde você estava com a cabeça?!? O que vou fazer com SEIS litros de leite?!? Por que você trouxe tanto leite?!?”

E ele respondeu, atordoado:

“Mas… mas… tinham ovos no mercado.”

A arte da percepção pode nos salvar ou nos condenar e, apesar de em breve dedicar um artigo especificamente sobre essa arte, deixarei uma dica para que a percepção de cada um de vocês já comece a ser exercitada: a raiz da palavra Bereshit é Beriah, que significa Criação. O principal livro de Ma’aseh Bereshit é o Sefer Yetzirah, sendo que a palavra Yetzirah significa Formação. A dica que deixarei aqui é muito simples, porém, muito profunda, ao ponto em que alguns de vocês provavelmente voltarão a ler os artigos anteriores para captar algumas passagens: criar é um pré-requisito para formar, que é um pré-requisito para fazer. Em um trecho de Isaías, 43:7:

… pois Eu os criei, Eu os formei, e Eu os fiz…

Vamos retornar, então, à nossa jornada, analisando o trecho que inicia o Sefer Yetzirah:

Com 32 caminhos místicos de Sabedoria
gravou Yah
o Senhor das Hostes
o Deus de Israel
o Deus vivo
Rei do universo
El Shaddai
Misericordioso e Gracioso
Soberano e Exaltado
Habitando na eternidade
Cujo nome é Sagrado –
Ele está no alto e é sagrado –
E Ele criou Seu universo –
com três livros (Sefarim):
com texto (Sefer),
com número (Sefar)
e com a comunicação (Sippur).

Desta passagem, um fato é indiscutível: quem quer que tenha escrito – ou compilado – o Sefer Yetzirah, levou ao pé da letra o termo “cifrado”. Já pelo início, percebe-se que não é um texto superficial, simples de se ler. Ao contrário, cada palavra, ainda mais quando se analisa o texto no idioma original (hebraico), tem um sentido extremamente profundo, e não há palavras supérfluas neste texto. Além disto, o Sefer Yetzirah é uma das bases do misticismo judaico, fazendo com que o texto seja, em sua essência, altamente místico. Tendo isto em mente, tentaremos extrair desta passagem – mais especificamente o trecho Com 32 – uma ferramenta extremamente poderosa para o restante de nossa jornada.

O fato do Sefer Yetzirah ter-se iniciado, especificamente, com a indicação do número 32 deve despertar a atenção de qualquer estudioso. Conforme vimos anteriormente, o nome dos cinco livros da Torah normalmente é a primeira palavra – ou uma das primeiras palavras – do próprio livro. O Gênese (Bereshit em hebraico) inicia-se exatamente com a palavra Bereshit. Por isto, com certeza o número 32 está intimamente ligado ao Sefer Yetzirah, e à formação (yetzirah) do universo.

De onde saiu este número? Analisando-se o trecho final traduzido acima, temos algumas indicações das ferramentas que D’us utilizou para criar o universo:

  1. com texto
  2. com número
  3. com a comunicação

Estes são os três “livros” (Sefarim) citados acima. Vamos abrir cada um destes livros, na ordem em que são apresentados.

Um texto, qualquer texto, é formado de palavras, as quais, por sua vez, são formadas por letras. Assim, é seguro afirmar que o primeiro “livro” utilizado por D’us foram as letras, mais especificamente o alfabeto hebraico. Uma das características interessantes do alfabeto hebraico é que não há vogais, apenas consoantes, que, no total, são 22 (3 letras-mãe, 7 letras duplas e 12 letras elementais). Como não há vogais, diz-se que uma palavra escrita em hebraico não tem vida, pois apenas quando a mesma é banhada com o ar que sai dos pulmões ao pronunciá-la é que ela se torna viva. Uma das palavras “mágicas” mais utilizadas nas mais diversas culturas ao redor do mundo tem sua origem no aramaico, um idioma “morto” e anterior ao hebraico, e exemplifica o que foi dito aqui: Abracadabra, do hebraico Avrah kedabra, que significa “Eu crio enquanto falo”.

Com as palavras, pode-se definir as coisas, dando a elas qualidades: nomes, formas, cores, sons, etc.

O segundo “livro” são os números, que são ao todo 10 (22 + 10 = 32!), representados por cada dedo de nossas mãos. Os números são os responsáveis por definir as quantidades das qualidades atribuídas pelas palavras. Por isso o segundo “livro” utilizado por D’us é aquele dos números, pois não há a possibilidade de se quantificar algo que não possua qualidades.

Estes dez números também dizem respeito a um conceito que será introduzido neste blog nos próximos artigos, e que serão utilizados daí em diante: as 10 sefirot (singular: sefirah) da árvore da vida. Mas vamos deixar isto mais para a frente…

Por fim, uma vez que se tem a qualidade e a quantidade de algo, é possível dar vida à “coisa” ao comunicá-la, ou seja, ao usar Avrah kedabra. As qualidades e as quantidades criam, enquanto a comunicação efetivamente dá forma ao que está sendo criado. Vou deixar em aberto uma terceira etapa do processo de criação, que é muito importante: o fazer, isto é, a materialização da Criação. Isto também deixaremos mais para a frente…

Como que para corroborar o que foi exposto muito superficialmente aqui, retornemos à descrição da Criação, de acordo com Bereshit. Durante o primeiro capítulo, a palavra Elohim (um dos nomes de D’us) aparece 32 vezes! Coincidência?!? Vamos ver:

  • a frase “D’us disse” aparece 10 vezes (a primeira é implícita, anterior à própria Bereshit!), que são as 10 Falas da Criação, e são representadas pelos números;
  • por 3 vezes – representando as letras-mãe – surge a expressão “D’us fez”;
  • a expressão “D’us viu” surge 7 vezes no relato da Criação, simbolizando as 7 letras duplas;
  • e, finalmente, as 12 aparições finais do nome Elohim simbolizam as 12 letras elementais.

Assim, os números e as letras são as ferramentas da Criação. Vamos ver mais detalhes sobre isto no próximo artigo! Até lá!

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