Amor-Bondade

Já se passou um bom tempo desde o nosso último artigo, em parte devido à necessidade de reflexão por parte deste que escreve, e que também deveria ter sido motivo de reflexão a cada um de vocês, leitores: até o último artigo, dentro da Árvore da Vida, vimos as sephirot Keter, Chokmah, Binah e a não sephira Da’at, que são os atributos do intelecto de Etz Chayym. Vimos também que Da’at impede que o fluxo de energia que vem dos níveis inferiores da Árvore da Vida possa alcançar os níveis superiores. Por isto, deixaremos de lado, por enquanto, as sephiroth superiores, e começaremos a estudar as sephiroth que compõem a base da Árvore da Vida, começando por Chesed (חסד).

Chesed é uma palavra em hebraico difícil de ser traduzida para o nosso idioma: é uma mistura de Amor e Bondade, com uma pitada de Compaixão, temperada por Misericórdia e Caridade. Não é fácil definir Chesed em termos de palavras, muito menos em termos de sentimentos. Em Ética dos Ancestrais (Pirkei Avot), que é uma compilação dos ensinamentos dos sábios durante o período da Tradição Oral, Chesed é a virtude central de toda a Ética:

Shimon, o Justo, foi um dos últimos da Grande Assembléia. Ele costumava dizer: o mundo apoia-se sobre três coisas: o estudo da Torah, o serviço a D’us, e os atos de bondade. (Pirkei Avot 1:2)

Chesed, portanto, é a primeira manifestação da Vontade Divina à qual nós podemos ter acesso de forma direta, sem precisar passar por Da’at. É a manifestação mais pura e absoluta do amor, misericórdia e benevolência de D’us na Criação.

Na concepção de cada ser humano, há a união de um homem e de uma mulher. Em uma união perfeita, ambos se amam no sentido de doação, não de egoísmo ou cobiça. Homem e mulher são um só, unidos para proporcionar um veículo para a ação da Vontade Divina.

Em hebraico, homem é ish (איש) e mulher é ishá (אשה). Note que ambas as palavras iniciam com o aleph (א) que simboliza o divino. Analisando-se as duas palavras vemos que as letras diferentes em ambas as palavras são o yud (י) no homem e o heh (ה) na mulher. Estas letras unidas formam a palavra Yah (יה), que é um dos nomes de D’us. Assim, quando o homem e a mulher se unem, D’us está se fazendo presente na união, para proporcionar sua centelha (א) ao sangue (דמ), gerando um novo ser humano (אדמ). Mas e quando não há amor entre o homem e a mulher? Ainda assim D’us se faz presente, benevolente e misericordioso, sem nenhum tipo de julgamento, insuflando de divindade o novo ser. Neste caso, homem e mulher agiram impensadamente, sem voltar seus pensamentos e emoções ao ato sagrado e puro que ali desempenhavam; sem D’us em seus corações, eram apenas fogo (אש) com fogo, explodindo violentamente e sem controle, esgotando todo o combustível à sua volta, e se extinguindo tão rapidamente quanto começou.

Apenas um parênteses para reflexão: como explicar um relacionamento homossexual de acordo com o que foi descrito acima?

Nossa vida surgiu através de chesed: a benevolência divina que nos deu mais uma oportunidade de progredirmos em nossa caminhada; a mesma benevolência que nos permite mais uma inspiração e expiração, sem exigir nada em troca, nem mesmo a consciência de que estamos vivos graças à Vontade Divina.

É o Amor-Bondade-Misericórdia Divina que nos brinda a cada dia com uma nova oportunidade de encontrarmos o caminho rumo a D’us.

É o que representa o Rosh haShana, o Ano Novo judaico, que ocorreu nesta última quinta-feira: o momento em que os três livros do Julgamento são abertos para se avaliar cada um de nós – os condenados, os abençoados e os demais. Em sua infinita misericórdia, D’us nos oferece os próximos dez dias – um a um para refletirmos nossos comportamentos à luz de cada sephira – para então pedirmos perdão no Yom Kippur, ou Dia da Expiação. Em resumo: a misericórdia divina nos dá todos os meios para nos arrependermos da insensatez de termos cometido algum pecado, abrindo uma nova porta para o caminho da retidão.

Apesar de ser uma das características da Criação, é muito difícil para nós vivermos o tempo inteiro em chesed: é um atributo que ainda está longe de nosso alcance. Precisamos vencer nosso ego para poder atingir os galhos mais altos de nossa Árvore da Vida. E mesmo quando atingirmos esse elevado nível, é impossível sustentar uma situação exclusivamente chesédica indefinidamente, pois Chesed não está localizada no eixo central da Árvore da Vida. É necessário equilibrar Chesed com sua cara-metade: a severidade.

Mas isto fica para o próximo artigo.