Um Novo Mundo, ou Um Novo Homem?

Depois de quase quatro anos desde meu último texto aqui, que repercutiu pessoalmente entre as pessoas mais próximas de mim, mas principalmente dentro de mim mesmo, acho que finalmente chegou a hora de escrever um novo artigo, desta vez bem mais leve do que o anterior mas que de alguma forma acaba complementando uma visão que tenho de mim mesmo perante o mundo – e que mundo é este, não é?

Mudanças vêm o tempo todo, novas revelações são trazidas à tona para nossas consciências quando estamos prontos, e mesmo que uma pandemia faça com que todos percamos um pouco – ou muito – o aspecto da socialização e depois tenhamos que nos readaptar e ressocializar, ainda somos seres humanos. Evoluir de forma a deixar para trás o que nos puxa para baixo e olhar para o futuro com brilho nos olhos é, na minha opinião, algo que todos devemos almejar. É um equilíbrio constante entre o que fomos e o que gostaríamos de ser, mas não conseguimos – pelo menos por enquanto.

Quando penso na dualidade entre o passado de um ser humano e que evolução o espera, a música New World Man do álbum Signals é a que primeiro me vem à mente. A música em si é bem simples e direta, mas que vai evoluindo a medida em que vai passando o tempo; tome como exemplo a profundidade dos arranjos da bateria, que vão se tornando mais complexos a medida em que a música vai evoluindo, o que é inclusive uma das características marcantes do álbum como um todo. Mas falarei dos intrumentos nesta música em específico daqui a pouco.

Quando se chega à letra da música é que a genialidade do Neil Peart mais uma vez brilha, fazendo um pingue-pongue constante entre o ser humano do passado e o ser humano do futuro, na figura de um único indivíduo, não da coletividade. Podemos nos posicionar como sendo o sujeito da música, mas também como parte do coletivo, assistindo passivamente alguém que se destaca da multidão.

New World Man

Lyrics by Peart, song by Lee and Lifeson

He’s a rebel and a runner
He’s a signal turning green
He’s a restless young romantic
Wants to run the big machine

He’s got a problem with his poisons
But you know he’ll find a cure
He’s cleaning up the systems
To keep his nature pure

Learning to match the beat of the old-world man
Learning to catch the heat of the third-world man

He’s got to make his own mistakes
And learn to mend the mess he makes
He’s old enough to know what’s right
And young enough not to choose it
He’s noble enough to win the world
But weak enough to lose it
He’s a new-world man

He’s a radio receiver
Tuned to factories and farms
He’s a writer and ranger
And a young boy bearing arms

He’s got a problem with his powers
His weapons on patrol
He’s got to walk a fine line
And keep his self-control

Trying to save the day for the old-world man
Trying to pave the way for the third-world man

He’s not concerned with yesterday
He knows constant change is here today
He’s noble enough to know what’s right
But weak enough not to choose it
He’s wise enough to win the world
But fool enough to lose it
He’s a new-world man

Learning to match the beat of the old-world man
He’s learning to catch the heat of the third-world man

He’s a new world man
He’s a new world man

A música começa descrevendo um indivíduo que desafia as normas e está constantemente em movimento. Essa caracterização sugere a necessidade de ser flexível e aberto a novas experiências para enfrentar os desafios de um mundo dinâmico, utilizando a simbologia do sinal verde, o que indica a disposição para avançar, incorporando a idéia de que a mudança é inevitável. E já na sequência indica que a mudança não é para ser apenas exterior, mas também interior, colocando as emoções de uma pessoa que romantiza o mundo, que possui sonhos e aspirações frente às muralhas que o mundo colocará em seu caminho, tendo que lidar com os venenos diários que o cercam ao mesmo tempo em que tenta manter sua essência humana pura.

Deixando um pouco de lado a letra da música e focando nos instrumentos, o que chama muito a atenção é a mudança de ritmos – principalmente pela bateria genial do Neil Peart – sempre em evolução, sendo que raramente a música fica mais de 30 segundos com as mesmas notas nas baquetas e pedais, sendo que os outros instrumentos, que normalmente seriam os protagonistas, têm que acompanhar em uma dança constante e coreografada entre baixo, guitarra e sintetizador ao redor da seção rítmica. É uma música muito densa e, para aqueles que escutam com atenção nestes detalhes, passa desapercebida a noção de tempo: a obra possui apenas 3:49 no total, mas parece que dura muito mais. É o contrário do que ocorre, por exemplo, com as músicas mais longas, como 2112 ou La Vila Strangiato, que quando terminam, não parece que levaram todo aquele tempo.

Ao mencionar “He’s noble enough to know what’s right, but weak enough not to choose it,” a música aborda a complexidade moral do personagem, destacando a dificuldade em fazer escolhas éticas em um mundo cheio de dilemas. Isso ressoa com o conceito que, apesar de reconhecer o que é certo, o personagem muitas vezes se depara com desafios que o testam em sua capacidade de agir de acordo com seus princípios. E, muito próximo, ao dizer “He’s got to make his own mistakes, and learn to mend the mess he makes.“, somos apresentados ao mundo das consequências: erros acontecerão e não é possível fugir dos mesmos, enfatizando a importância da experiência pessoal e da capacidade de aprender – com o perdão da palavra – com as cagadas, sublinhando a idéia de que a adaptação requer não apenas flexibilidade, mas também a habilidade de corrigir os equívocos que com certeza surgirão ao longo do caminho.

Esta música é uma verdadeira pós-gradução em comportamento humano, sintetizada em pouco menos de quatro minutos.